Gestão da manutenção em edifificações altas e complexas
As lições aprendidas em Balneário Camboriú
Edifícios muito altos como os de Balneário Camboriú, funcionam como cidades verticais. Neles, a operação segura e eficiente depende de uma gestão de manutenção que considere não só o equipamento isolado, mas a integração entre sistemas ao longo de dezenas de andares.
Ao longo da minha trajetória profissional, atendi alguns dos gigantes de Balneário e por experiência posso falar que há muitas peculiariariedades a serem consideradas ao montar um plano de manutenção predial e aplicar a gestão da manutenção predial nesses gigantes.
Por isso neste artigo vou abordar um guia prático para projetistas, síndicos profissionais, administradoras e equipes de Operação e manutenção.
1) Por que a manutenção é diferente em torres muito altas
- Altas pressões e grandes desníveis: água, esgoto e ar em movimento ganham velocidade/pressão com a queda ou a elevação, exigindo zonas hidráulicas, vasos de expansão e válvulas redutoras/anti-golpe.
- Distribuição elétrica complexa: subestações em média tensão, transformadores e grupos geradores com chaves de transferência automáticas, além de cargas críticas (elevadores, pressurização, bombas).
- Sistemas de segurança contra incêndio sensíveis: pressurização de escadas e antecâmaras, hidrantes, sprinklers e detecção exigem comissionamento fino e testes periódicos.
- Elevadores de alta velocidade (“super elevadores”): tolerâncias milimétricas de trilhos, freios, cabos/cintas e sistemas de resgate; qualquer desajuste impacta conforto, segurança e disponibilidade.
2) A arquitetura operacional: andares técnicos no “meio do prédio”
Em arranha-céus, andares técnicos intermediários são essenciais para fracionar esforços e reduzir riscos operacionais:
Abastecimento de água:
- Zonas de pressão: reservatórios de ruptura (break tanks) e conjuntos de pressurização a cada “n” pavimentos para evitar pressões excessivas nos andares baixos.
- Proteção contra golpes de aríete: vasos de expansão, ventosas nos pontos altos, partidas suaves/inversores de frequência nas bombas.
Coleta de esgoto e gordura:
- Pontos de alívio e inspeção: caixas de passagem/inspeção acessíveis em andares técnicos.
- Gestão de gordura em meia altura: prever área técnica intermediária para coleta e tratamento de gordura (caixas/estações separadoras) reduz a velocidade de descida e a massa de sedimentos por trecho, mitigando choques hidráulicos, solidificação e risco de estouro de tubulações.
Subestação e geradores:
- Setorização elétrica: barramentos e QGBT/QD’s por zonas, redundância N+1 para cargas críticas, exaustão e atenuação acústica planejadas.
- Operação do gerador: testes sob carga, polimento de combustível, controle de emissões e plano de contingência para partidas a frio.
Pressurização e HVAC (aquecimento, ventilação, ar condicionado):
- Casas de máquinas intermediárias: ventiladores de pressurização com sensores de diferencial de pressão por zona, rotas de manutenção desobstruídas e acesso seguro.
- Automação: integração a um BMS/SCADA para controle fino de setpoints e alarmes.
3) Estratégia de manutenção: do reativo ao preditivo
Inventário técnico e criticidade
- Tagueie cada ativo (bombas, PRVs, ventosas, VFDs, QD’s, ATS, ventiladores, geradores, elevadores).
- Classifique por criticidade (impacto em segurança/continuidade), definindo níveis de serviço e redundância.
Planos preventivos e legais
- Rotinas baseadas em manuais e nas normas técnicas aplicáveis (ABNT/NRs), registros de testes de incêndio, pressurização, elevadores e elétrica.
- Checklists específicos para andares técnicos (limpeza, acesso, iluminação, ventilação, drenagem, contenção).
Preditiva (condição)
- Vibração e termografia em motores/bombas/quadros; análise de óleo em geradores; ultrassom para detecção de vazamentos/descargas parciais; monitoramento on-line de ΔP e vazões em hidráulica.
- Para elevadores de alta velocidade, monitorar acelerações, temperaturas de máquinas e desgaste de freios/cabos/cintas.
Corretiva planejada
- Janelas de manutenção coordenadas com a ocupação, planos de bypass (hidráulico/eléctrico) e kit de sobressalentes críticos.
4) Engenharia de tubulações: foco especial em esgoto e gordura
- Velocidade controlada em colunas verticais: dimensionar diâmetros, ventilações e trechos de alívio para manter velocidades dentro de faixas seguras.
-Setorização com caixas de gordura intermediárias: recolher e tratar efluentes gordurosos no meio da torre reduz head, turbulência e incrustação. Prever limpeza periódica, acesso frontal seguro, piso lavável, contenção e exaustão.
- Materiais e juntas: preferir materiais com melhor resistência a impactos térmicos e químicos (ex.: HDPE em trechos críticos), juntas flexíveis e suportação anti-vibração.
- Pontos de inspeção: cleanouts a cada “n” pavimentos, válvulas de isolamento setorial e drenos com retentores de odores.
5) Energia e continuidade
- Subestação e distribuição: inspeção visual, reaperto termográfico, testes de proteção, limpeza de painéis e checagem de aterramento.
- Geradores e UPS: testes mensais, partida automática, ensaio de carga (load bank), qualidade de combustível, ventilação e exaustão.
- Eficiência: drives com inversores, correção de fator de potência, curvas de bomba ajustadas e recuperação/regeneração de energia em elevadores.
6) Elevadores de alta velocidade
- Disponibilidade como KPI: meta > 99% nas horas de operação.
- Rotina: alinhamento de trilhos, inspeção de freios, verificação de portas, cabos/cintas e overspeed governor; atualização de firmware dos controladores e testes de resgate.
- Conforto: balanceamento para reduzir vibrações/ruído e manutenção dos sistemas de pressurização do poço/cabine para evitar “ear popping”.
7) Automação, dados e resposta a falhas
- BMS/SCADA integrado: alarmes com causa/efeito, níveis de severidade e playbooks de resposta.
- Telemetria útil: ΔP em pressurização de escadas, níveis de reservatórios, consumo específico (kWh/m³ bombeado), temperatura de mancais, THD elétrica.
- Procedimentos de emergência: perda de energia da concessionária, incêndio, falha de bombas, extravasamento de gordura, retorno de esgoto — com contatos e tempos de acionamento definidos.
8) Segurança, conformidade e pessoas
- NRs e rotinas: NR-10 (segurança em eletricidade), NR-33 (espaço confinado), NR-35 (trabalho em altura), bloqueio e etiquetagem (LOTO), combate a incêndio e evacuação.
- Acesso e ergonomia: corredores de serviço desobstruídos, guarda-corpos, pontos de ancoragem, iluminação e ventilação adequadas nos andares técnicos.
- Treinamento e terceiros: SLAs claros, habilitação de empresas de manutenção (elevadores, geradores, HVAC), reuniões periódicas de desempenho.
9) KPIs para governança da manutenção
- Disponibilidade dos sistemas críticos (%).
- MTBF/MTTR por família de ativos.
- Consumo específico de energia (kWh/m²·ano e kWh/m³ bombeado).
- Incidência de vazamentos/entupimentos por zona (mensal).
- Chamados não planejados por 100 unidades habitacionais.
- Tempo de restabelecimento em falhas de elevadores.
10) Passo a passo para implantar (ou elevar o nível) da gestão
- Diagnóstico: levantamentos “as built”, lacunas de acessibilidade em andares técnicos, lista de pendências de comissionamento.
- Criticidade & riscos: FMEA dos sistemas (água, esgoto/gordura, elevadores, incêndio, energia).
- Plano de manutenção: matriz preventiva/preditiva por ativo, calendário anual e janelas operacionais.
- Projetos de melhoria: criação/adequação de áreas técnicas intermediárias (ex.: estação de gordura em meia altura), setorização hidráulica e redundâncias.
- Automação e indicadores: integrar sensores ao BMS e publicar KPIs num dashboard operacional.
- Rotinas e compliance: POPs de inspeção, LOTO, permissões de trabalho, registros e auditorias.
- Treinamento & simulados: incêndio, blackout, pane de elevadores e extravaso de efluentes.
Conclusão
Em torres muito altas, o segredo não é “consertar rápido”, e sim projetar e operar para não falhar. Andares técnicos intermediários, incluindo estações de coleta de gordura no meio da edificação, setorização de pressões, redundância inteligente e manutenção baseada em condição formam a espinha dorsal de uma operação estável. Com governança, dados e disciplina, a cidade vertical funciona com segurança, conforto e custos sob controle.
